quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Cosme, Damião e Doum


Todas as vezes que minha madrinha ganhava um doce ou fazia uma sobremesa especial ela cortava três pedacinhos e colocava num pires que ficava perto da imagem de são Cosme, são Damião e Doum, em cima da geladeira. Ninguém podia esquecer do pedaço de Doum de jeito nenhum. Em cima da geladeira era o seu santuário. O altar da casa.


Esse ano ela morreu, já bem velhinha. Lúcida, linda, geniosa, amada, católica. Nos últimos anos, com dificuldade para andar, eu fazia questão, nas festas, de colocar os pedacinhos de doces para os santos. Aquilo me fazia muito bem. Eu me sentia importante. Era como se eu fosse capaz de representá-la à altura. E eu rezava. Pedia por ela, por nós, por eles. E agradecia por tudo.


Desde bem pequena, eu ficava impressionada como os doces, que eram oferecidos aos santos, não estragavam, não mofavam, nem davam formiga. Eles se mantinham frescos por muito tempo, todo o tempo. Tão frescos como a fé pode ser em seus milagres. Em seu poder de gerar força, determinação, coragem. O milagre estava ali. Eu via.


Sinto muita falta dela. Foi uma madrinha daquelas. Fez todas as minhas fantasias de carnaval. Uma mais linda que a outra. Depois me levava para aqueles estúdios de fotografia e eu tinha que ficar durinha, paradinha, e eu odiava, pois queria ir logo para o clube pular, encontrar as amigas e cantar as marchinhas.


As férias eram no Rio, na casa dela. Ela e meu padrinho me levavam à praia, ao teatro, ao jardim zoológico. E à queijaria. Um dia meu padrinho, adorador de queijos, me apresentou todos os tipos de queijos. Desde aquele dia me tornei essa viciada que sou hoje!


Quando meu padrinho descia a estrada de Petrópolis, sempre parava no Belvedere, um restaurante com vista panorâmica, para a gente curtir a paisagem. Eu amava. Desde que saía da minha casa, eu ficava ansiosa por aquele momento chegar logo. Eu saltava do carro e corria para ver toda aquela imensidão. Ali eu entendia que o mundo era muito grande e que a vida, intensa. Até hoje, quando passo por aquele belvedere abandonado, tenho a sensação de ser ainda uma menina cheia de esperança que acredita que as coisas vão dar certo.


São Cosme e São Damião, e Doum, sempre serão para mim a imagem de doar, de compartilhar, de casa feliz, com cheirinho de bolo. Um bolo que terá uma fatia cortada em três pedacinhos que serão transformados em fé, numa fé tão grande que tornará o milagre sempre possível.


Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo e emocionante o que acabei de ler! Dá para ver e sentir que o poder da fé e do amor, sempre presentes na sua vida, moldaram e conservaram essa menina que realmente acredita que tudo vai dar certo. E essa menina sempre tem uma palavra de força, de conforto, seguida de um sábio conselho. Que são Cosme, são Damião e Doum a cubram de bênçãos.