giselle

foto: Giselle Rocha

Minhas lembranças da UTI não são nada boas, a não ser por dois amigos que fiz por lá. O Márcio ficava à minha esquerda e conversávamos muito. De dia, de noite, de madrugada. Como as camas eram separadas por cortinas, enquanto eu conversava ia imaginando como seria a carinha dele. Ele operou três tumores no pulmão. Não eram bem no pulmão, mas sim nos músculos em volta. A operação foi um sucesso e ele, que é massoterapeuta, estava louco para voltar a trabalhar. Quando ele teve alta foi junto com a sua namorada, Roberta, me visitar no quarto. Foi um dia ruim, pois, apesar de estar no quarto, me recuperando bem da embolização de aneurisma que fiz, naquele dia eu não estava bem. Esse foi o único dia que vi o rosto do Márcio. Queria estar bem para abraçar, beijar, conversar mais, muito mais, com o meu amigo de sufoco, e não conseguia. Lembro que ele me deu um biscoito goiabinha, nunca vou me esquecer disso! Comi aquele biscoito tempos depois, em casa, toda feliz com o presente do meu amigo!

Depois de ter já ido para o quarto, tive problemas e precisei voltar para a UTI. A essa altura o Márcio já estava em casa, mas ao meu lado direito estava uma menina. Mas dessa vez eu vi o rosto quando ela passou pela minha cama. Ela era linda. Jovem, com carinha de anjo. Giselle tinha problemas de coração desde pequena e estava fazendo alguns exames. Só que dessa vez eu não podia falar, pelo menos nos primeiros dias. Mas, para alguém que fala pelos cotovelos como eu, isso não seria empecilho para se comunicar.

Pedíamos para deixarem as cortinas abertas para a gente se ver e ficar conversando. Nossas mães ficaram "amigas de corredor de hospital" e há pouco tempo soube que minha mãe pediu para ela ficar conversando comigo para me estimular a falar, já que eu estava com dificuldade. Giselle não só tinha cara de anjo, como foi um anjo para mim. Sempre para cima, acreditando que tudo daria certo.
Nesses dois anos, sempre nos falamos. Ela é designer gráfica, animadíssima, adora música, vive em shows, é apaixonada pela família e pelos amigos, tem um namorado bonito como ela, tira fotos lindas.

Hoje Giselle está em um hospital em São Paulo esperando um coração de um doador chegar para fazer um transplante. Depois de alguns sustos e mais algumas internações, ela agora precisa de um novo coração.
Seu coração generoso não aguentou, mas ela sim. Porque Giselle é poderosa, um exemplo como nunca vi na vida. Ela é admirável. Uma guerreira doce.