terça-feira, 30 de outubro de 2007

mulher à beira de um ataque de nervos

ilustração: Maitena


Hoje dei um piti. Não foi com ninguém, foi comigo! Atravessei a cidade nesse caos de trânsito - por causa do Rebouças fechado, está tudo parado, e a linha vermelha, que eu tinha que passar, parada - para resolver uma burocracia, coisa que não gosto nada, e, quando chego lá, morrendo só de pensar no sofrimento da volta, falta um papel, um mísero papelzinho. Um só e nada mais.


- A senhora vai ter que voltar outro dia com o papel.
- Mas ninguém me avisou nada.
- Ah, sinto muito, não posso fazer nada. Só com esse papel!


Nada feito! Aquele percurso de sufoco e sofrimento em vão! Onde está este maldito papel que ninguém me avisou!? Vou ter que voltar? Neste calor? Neste engarrafamento? Não é possível. E lá fora, de cara para o carro, a fúria veio vindo, o sangue subindo, o coração acelerando. Não, não e não! Eu queria morrer só de pensar no transtorno! ááááááááhhhhhhhhhhhh! E toca a reclamar e xingar e reclamar e xingar e reclamar! Em desabafo com o mundo! Tudo alto!!! Não foi um show porque o lugar é deserto e as pessoas trabalham lá dentro. Aí comecei a falar mais baixo, fui entrando no carro, a poeira baixando, tudo voltando ao normal.
Não sou uma pessoa destemperada. Sou educada e completamente da paz. Acho que chilique não leva a nada e vivo de uma maneira tranqüila. Mas a verdade é que o sangue sobe mesmo! Não se conformar com o que sai errado é lenha na fogueira! Não respeitar o que acontece conosco é arrumar briga com nós mesmos. Não aceitar que não estamos no controle o tempo inteiro pode ser um perigo! As coisas acontecem, pronto. Algumas a gente pode mudar, outras, não. Simples assim. E desafiar o mundo com a nossa ira pode ser um problemão daqueles! Ainda mais se o piti for com alguém. Ainda mais se o piti for com alguém zangado!
Algumas vezes é muito bom desabafar, soltar os bichos, estravazar. Existe uma energia boa que movimenta o mundo que só vem quando sai de uma maneira jogada, atirada no escuro, sem pensar. Depois que a a coisa esfriou, pude perceber o quanto eu já fui chateada para aquele compromisso burocrático. O quanto eu já achava tudo horrível mesmo antes de sair de casa. E mesmo que tudo desse certo, eu ia achar que deu errado! Eu estava predestinada a ter um piti no primeiro sinal de estresse! Inconscientemente, me preparei para um dia ruim, essa é a verdade. E para colaborar, me esqueci de perguntar se precisava de algum papel!!! OK, ninguém também me disse. Mas eu poderia ter perguntado, não?


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