terça-feira, 29 de janeiro de 2008

a moça do metrô

foto: David La Chapelle

Hoje, quando eu estava saindo do meu exercício ortóptico, uma moça estava sem saber o que fazer, pois ela foi fazer um daqueles exames que dilatam as pupilas e não estava enxergando nada.


- Quer ajuda? - perguntei.


Sim, ela quis. E lá fui eu levar a moça ao metrô. A moça era bonita, loura, de cabelão. Conversa vai, conversa vem, sempre apoiada no meu braço, ela me contou sua história. Um dia sentiu uma bolinha na pálpebra inferior, pensou ser nada de mais. Mas era. Por fora era só uma bolinha, mas por dentro a face estava toda tomada por um câncer. Prognóstico: ou operava logo ou daria metástase dali a 6 meses. Não queria operar. Não queria o seu rosto desfigurado. Tinha medo. Viver feia era morte em vida, era preferível mesmo morrer de uma vez. Mas uma cirurgiã plástica apareceu com boas notícias. Existia a chance de uma cirurgia de retirada do câncer e reconstrução da face puxando o tecido do pescoço. E foi feito. Morfina, cortisona, dois meses sem falar, praticamente sem comer e muitos outros sacrifícios e outras cirugias repadoras, a moça está aí para provar que milagres existem, inclusive o milagre da medicina.
Eu juro. Ou ela estava mentindo, ou eu estou cega, ou a médica foi um gênio. A linha do corte é mínina e muito sutil. Uma coisa mesmo incrível. Vai desde o vínculo do sorriso, dando a volta na dobrinha do nariz até o olho. Trabalho de mestre. Até anotei o nome da médica, pois a gente não sabe o dia de amanhã. Deixo a moça no metrô, ajudo-a comprar o tíquete, desejo muitas felicidades e sigo o meu caminho.
E venho para casa pensando no quanto a aparência é importante. Para todos, mesmo para os que jurem que não. Para quem olha ou para quem tem. O quanto as pessoas são julgadas, perdoadas, castigadas. Olhamos e avaliamos pelo que vemos. Os bonitos são felizes e sem problemas. Os feios são uns pobre-coitados. Os bonitos têm o mundo aos seus pés. Os feios são esquecidos e sem chances. Os bonitos são cheios de saúde. Os feios são um saco. Quem iria achar que a Carolina Ferraz seria uma pessoa doente, se fosse? Quem acreditaria que o Gianechinni não teria sorte no amor, se não tivesse? São bonitos demais para ter esse tipo de problema. Ao mesmo tempo, que bonito quer ser feio? A moça do metrô preferia morrer a ficar feia, mas agora que ela continua linda, quem acredita que ela sofreu tanto? A gente sabe que não é assim que funciona, mas é assim que funciona no final. Quando vemos uma pessoa com alguma deficiência a primeira impressão é de infelicidade. - Ah, coitado. Algum problema físico sempre causa estranheza, como se não fosse possível ser feliz naquela condição. Acho que a nossa relação com a aparência está muito estranha. Estamos valendo pouco demais e estamos jogando alto demais por muito pouco.
A aparência diz tudo, mas a moça do metrô precisou me contar tudo que o rosto dela escondeu, para eu saber quem ela realmente era. A sua história triste passa a ser bonita se ela está bonita no final. Se ela estivesse feia a história triste dela seria realmente triste. Será que as outras moças que ficaram feias não podem ter histórias tristes com outros finais felizes?

Nenhum comentário: